
VICISSITUDINÁRIO OU…
Mas é esta autonomia que, embora frágil, mas criticamente vital, alimenta o caudal de recursos que põem de pé o edifício militar.
Um desses momentos, que poder-se-á designar de sobredeterminância histórica, agrega o sentimento de nacionalidade, um apego testemunhal secularmente transmitido pela sucesssão de gerações; o outro, que como disse neste toca, é por dizer de índole predominantemente psicológica, e manifesta-se na vontade e no orgulho com que a hodierna geração aceita a herança e prepara o legado: sentindo-o como seu, absorvendo-o como algo de vital e preparando-o na transmissão para as gerações vindouras.
Se se quiser encontrar uma justificação para o hífen que liga os Portugueses às Suas forças armadas, e delas se orgulharem, esta terá de ser procurada algures neste tresvario cultural. E digo tresvario não na primazia etimológica do termo mas sim por ele dignificar um ícone emocional tão forte que detém ou obscura a racionalidade psicosociológica da outorga, sob o epítome da própria vida, daquilo que mais se ama: um filho ou filha.
Esta é uma das dimensões do conceito de patriotismo, no sentido em que traduz um apego sentimental (verídico) na dimensão singular, sem a qual, a bem dizer, sería impensável legislar sobre tão grande e oneroso sacrifício colectivo.
Esta dádiva de filhos e filhas que os portugueses ofertam à Pátria, sob tutela castrense, não tem (nem espera ter) compensação material mensurável.
Se se quiser procurar e encontrar algum estorno – ainda que infinitésimo – temos de prender a análise na formação técnica e humana. É aqui e por aqui que a organização tenta a retribuição sob a presunção que os dota duma dupla capacidade reflexiva: por um lado a preparação formal e sentimental sustento da resposta ao desafio legal (que a Pátria lhes pede e que, como se sabe, no limite poderá incluir a doação da própria vida) e, por outro lado, a tentativa de reduzir os danos, anulando a distorção sócio-cultural de forma a que no encerro material do laço estes sejam devolvidos à vida activa sem grandes disfunções sóciopsicológicas ou académicas.
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Mas, esta instrução, dita militar, mas que hoje em dia e dado o circunstancialismo histórico tem uma vocação muito civilista para compatibilizar e harmonizar ambientes outrora culturalmente pouco interoperativos e que surge como mecanismo de resposta à contingência da modernidade, deve ser ponderada sem constrangimentos e com grande abertura de espírito.
Tem-se por expectativa que a formação geral do cidadão é contínua e não é pelo facto de este temporariamente passar pelo ambiente militar que perderá a sintonia com a formação activa.
Para responder a esse propósito encontramos no elenco da formação militar um repertório híbrido de princípios organizacionais como a disciplina, a coesão, o comando e o relacionamento hierárquico e ainda técnicos como seja a preparação para o combate ou emprego em missões internacionais humanitárias ou de paz assumidas pelas organizações internacionais de que Portugalé parceiro. Repertório este que contempla ou no mínimo vislumbra uma assimptota de créditos formativos e de equivalências curriculares aproveitáveis no momento do regresso à vida activa.
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A conjuntura recente e actual ditou para o Exército (e outras forças) um chamamento tornado missionário: a necessidade de participar em diversificadas missões de carácter internacional disseminadas pelo globo.
O caldeirão contingencial promovido pelo encontro e a interacção de culturas das mais dispersas latitudes e credos confere uma nova experiência de vida (humana e militar) e acaba por abainhar o pensamento e a acção dos que vivendo esta experiência única agem perante os outros como transmissores de valores aprendidos.
É inquestionável, julgo eu, que o cruzamento de elementos culturais e sentimentais ao nível individual acaba por se manifestar também na esfera colectiva.
A efeméride missionária feita por um conjunto de homens e mulheres oriundos de latitudes díspares, cada um deles trazendo o vínculo formativa e intelectual que representa a sociedade a que pertence, culmina com a trasfega para um elemento novo. No regresso a casa cada homem e mulher transporta consigo, ainda que no subconsciente, uma gema cultural “modificada” que inexoravelmente acaba por “infectar” os concidadãos com que privam.
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Serve esta senda de raciocínio para, salvaguardando a proporção e sem querer ferir preceitos fundamentais e organizacionalmente imprescindíveis, admitir um elemento novo e emergente na esfera militar.
Tem-se por certo e adquirido que há uma cultura “especificamente” militar, que é necessária para adquirir a cogniscência da realidade castrense e que se quer e deseja manter.
Sem ferir este pressuposto, exceptio excipiendis, cremos que esta terá de adornar os elementos essenciais da sociedade que representa, e que o mancebo sucessor, por expectativa fundada, aqui espera e deseja reencontrar.
Se o homem é ele e as suas circunstâncias o mesmo se aplica ao militar não apenas no género individual, mas antes na corporação, no modelo de organização como um corpo que sente conter em si uma realidade psico-espiritual.
A conscrição deu lugar ao voluntariado e este içou um problema novo: o recrutamento.
A mudança metamorfoseou a génese da decisão.
Esta fugiu da parada e passou para casa do concidadão.
É ele e só ele quem gera e administra o momento da atracção e fixa a decisão.
E só por ingénuidade se pode ignorar ou desprezar que esta não contemple, em conformidade ou desconformidade, o diferencial de valor social e do respeito pela opção individual.
O perigo, ou em rigor o obstáculo, é sentir a preexistência de impedâncias internas que o tempo cristalizou e que tempos houve em que até mereceram a devida importância mas que a modernidade já não está capaz de contemplar mais.
E é este inexorável processo de evolução social que, em pormenores críticos, parece estar arredado da realidade castrense.
Registo a discrepância sentida numa exequenda circunstância, que não o remedeia ou antes o onera e como assim, e de todo em todo, convirá dissipar.
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Tem-se por certo que um dos baluartes que sustenta a disciplina é “ a vontade sincera e manifesta de se alcançar o fim que se deseja pela consciente aceitação dos princípios enunciados nos regulamentos que pautam a actividade militar”, por isto ser uma verdade imutável talvez caiba então admitir e pensar que estes princípios regulamentados, e que directamente contribuem para a formação da vontade sincera e manifesta de se alcançar o fim que se deseja, devem ser “vivos” e “dinâmicos” para deste modo poderem conter, com a parcimónia adequada, elementos actualizados tidos do foro individual e da personalidade singular sem que com isso – daí a parcimónia – tresvarie o perfil da organização e seus objectivos permanentes e sem lhe degradar a imagem publica evitando assim conter “rótulos”, “manias” ou “preconceitos” gastos mas que edificam uma clivagem discricionária.
Especialmente quando esta clivagem à muito se dissipou na sociedade civil, alfobre do voluntariado.
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A Constituição da República Portuguesa formula um princípio da igualdade que diz e obriga “que todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei”, e acrescenta que “ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social”.
O que equivale a dizer que no plano da personalidade nenhuma norma deve consagrar diferenças em razão de lógica sexual.
E com isto chegamos onde queremos chegar.
Segundo a nossa opinião, pobre e humilde, o novo e recente Regulamento Geral do Serviço nas Unidades do Exército consagra uma norma que, embora se justifique para salvaguarda de princípios e valores especificamente organizacionais, promove uma diferenciação em natureza do sexo que julgamos turgida de exagero formal e material.
Aceita-se, por razões anatómicas e estéticas, a singularidade no calçado ou no modelo de uniforme. Todavia é mais difícil de aceitar que se mantenha uma regra que só existia e fazia sentido quando a género era universalmente masculino.
Falamos, é claro, do cabelo.
Temos dúvidas se o dito regulamento expressa e materializa uma operacional diferenciação ou antes uma desnecessária discriminação?
Com efeito, ou há razões que justificam uma silhueta de cabeleira “aparada e cortado acima do colarinho da camisa” aplicável a todo o militar sem excepção, ou não há razões de fundo que justifiquem a manutenção do princípio e do modelo e, neste caso, a alternativa ponderada e apurada para abranger o militar do sexo feminino deve IGUALMENTE ser estendida para o militar do sexo masculino.
Em jeito de justificação rascável poder-se-á pensar que a discriminação se justifica no facto dos militares do sexo feminino desempenharem funções distintas e marcadamente discriminadas (o que poderia induzir uma marcada apresentação no atavio) mas tal não cola porque “elas” exercem exactamente as mesmas funções e desempenham os mesmos serviços que “eles”.
Encontramos um ou uma com igual probabilidade a desempenhar um serviço de sentinela, uma escolta, uma guarda de honra, etc.
E, sejamos lúcidos, não cremos que o sentido regulamentar de apresentação que é pedido a um sentinela, como a qualquer outra função, seja medido pelo tamanho do seu cabelo mas antes pelo atavio.
Em jeito de contraditório procuramos a analogia com o procedimento dito “civil” e o que encontramos só reforça a análise: à muito que o tamanho do cabelo deixou de contar como marcador da pessoa como singularidade pessoal, social, profissional e cultural.
Pelo que e dado julgar que tal preceito parece configurar uma discriminação em razão de sexo que parece ainda ferir o preceito constitucional, assim como parece ainda obstaculizar o direito a uma opção individual legítima; e, dando como certo que no processo mental subjacente ao acto de decisão para o ingresso nas forças armadas por parte dos jovens cabe a ponderação da expectativa sobre os direitos pessoais, socialmente consagrados, e finalmente com a única intenção de continuar a servir o Exercito e Portugal, aqui fica esta reflexão.
2 comentários:
Viriato:
Respondendo a "COMO FUGIR Á SOLIDÃO DO TEMPO,SE NO TEMPO TUDO SE DESFAZ?!:
É VERDADE:
"A VIDA É UM MILAGRE"
Certamente que quando resolvemos vir até cá...,participámos no processo dessa decisão...
aliás, decidimos e "Foi-nos" permitido vir...por isso não pudemos culpar ninguém por cá estarmos e andarmos, felizes ou não, teremos de fazer a nossa caminhada...a escolha e respondabilidade é inteiramente nossa.
Claro sempre temos duvidas e mais duvidas...cremos e descremos...faz parte da condição humana, sentir esse sentimento...de crença e descrença...(ainda esta semana, ouvi relato de escritos de Madre Tereza de Calcutá, onde diz, que teve duvidas e mais duvidas...crenças e descrenças...mas o que importou é que fez o que a consciência lhe disse que era correcto...por isso a missão dela, foi cumprida...
acho que o VAT., vai concerteza alterar toda esta informação sobre Madre Tereza...assim como o fiz com os evangelhos...cá estaremos para ver)
Mas realmente o que conta, é o balanço final, que será feito pela nossa consciência,quando finalizarmos a jornada terreste.Por isso o importante é viver bem com a nossa consciência...
O TEMPO É O NOSSO TALISMÃ DIVINO...NA VIDA...
Obrigada por mais esta passagem pelo meu humilde espaço virtual...
Um abraço
digo:
assim como fez com os evangelhos
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