sexta-feira, 26 de outubro de 2007

REFLEXÃO EM SALDO

O Moral não se compra no hipermercado, nem se adquire por louvores ou especiais encómios de circunstância, pelo contrário sente-se como se sente um eflúvio “espiritual”, como uma presença inacessível mas permanente e quotidiana, uma espécie de herança ancestral legada geneticamente, um legado de patriotismo.

E, tratando-se dum conceito-sentimento que quantifica uma grandeza não facilmente descritível, há que engendrar alavancas que o façam enrijecer e favoreçam a emersão à superfície da consciência de cada militar de alta ou baixa patente, e entre essas alavancas possíveis algumas há que estão disponíveis a todos, e especialmente àqueles sob quem impende a responsabilidade de tão delicada matéria, como seja a crença na missão, a confiança nos chefes, em si próprio e no camarada do lado, um encontro de um com o outro e de todos com todos, uma espécie de exercício de magia que nos cria arrepios de pele e nos emociona como quando ouvimos o hino., e é este conceito mesclado de sentimento que contém uma vertente indiscutivelmente administrável e que, quanto a mim, tem sido mal gerida (externa e internamente) e que desde há muito tem levado à corrosão por deficiente acção ou até grave omissão de chefes e comandantes que têm fixado o seu olhar menos na farda e na realidade militar que comandam e mais no umbigo, no gozo dum mandato, na tara de privilégios, qual freio para segurar jubilações.

E é este trilho primário, que exorta e aplaude o instinto das tripas e que há muito está esgotado, que estimula a criação de correligionários ambiciosos dispostos a acreditar na aura oligárquica, fomentam o seguidismo, em detrimento do contraditório, acreditando ser a via mais curta para a progressão material.

No palco do espaço e do tempo vemos estes actores, geradores da dinastia dos oportunistas, que não hesitam em maltratar jurídica e administrativamente os inferiores (hierárquicos) que se lhes opõem.

A Tutela esfuma-se, parecendo uma miragem apenas.

A Tutela, primeiro entre os deveres militares, princípio fonético estéril mas lindo de ouvir e por isso a sua grandeza simbólica continua a ecoar no meu espírito cada vez mais descrente, recusando aceitar a inevitabilidade de não passar dum edílio puramente normativo.

O regime nasceu dum golpe militar, mas não é verdade que a causa primeira da rebelião efemerizada tenha sido a abolição do regime propriamente dito, mas antes a solução para um conflito que o tempo fazia arrastar cansando o estímulo nacional e saturando a solidariedade internacional.

Nesta versão, a visão dos golpistas foi em síntese “cumprir” militarmente uma solução “política” à qual os políticos se sentiam incapazes de adoptar ou em alternativa angariar, porém, dir-se-á ainda que, e por outro lado, e como toda a moeda tem duas faces, os ditos golpistas, cumprida a missão viragem histórica (fim da guerra dita colonial e consequente descolonização), deviam ter garantido, se necessário pela força que então tinham e agora não passa de miragem ou sonho (em rigor pesadelo), a reclamada “descolonização” cultural, premiando a democratização passo a passso à luz de seguros acordes sociais, políticos, jurídicos e administrativos, à velocidade da história ainda que comparável à do caranguejo, mas com tal atitude teriam evitado ou reduzido os prejuízos causados pela captura sem freio do poder, pela guerrilha ideológica que tanta e tão marcadamente feriu e clivou a sociedade, o estribo de soluções miraculosas atiradas para o ar pela vingadora da diáspora regressada com o vento a favor.

Por falta de vontade ou incapacidade, a verdade é que não o fizeram e com isso podem ser co-responsabilizados pela psicologia de destruição do património de soberania e da ancestralidade tipicamente lusíada e lusitana – cujo remanescente ainda sobrevive na Diáspora Moderna -.

Psiquismos de regimes toldados por disputas somáticas.

Disputas de ontem e de hoje.

Querelas que o tempo esconde mas cujas marcas povoarão o futuro convocando um pesado regimento de consequências que escurecerá, para todo o sempre, as causas e os causadores.

Um Major do QP do Exército de Portugal

1 comentário:

fotógrafa disse...

Tentando comentar a sua reflexão, permita que blogue aqui um artigo que está no meu blog, Fotografa, e que foi escrito há muito...muito tempo, por Rui Barbosa, mas cuja actualização é tal... e as parecenças com o que se passa por cá, fez-me achar interessante refletir sobre este artigo...
Atrevo-me a transcrever o artigo em português do Brasil, pois acho que se foi escrito por um brasileiro, não devo passar para o nosso português,gosto de respeitar a escrita cada um...


Sinto vergonha de mim
por ter sido educador de parte desse povo,
por ter batalhado sempre pela justiça,
por compactuar com a honestidade,
por primar pela verdade
e por ver este povo já chamado varonil
enveredar pelo caminho da desonra

Sinto vergonha de mim
por ter feito parte de uma era
que lutou pela democracia,
pela liberdade de ser
e ter que entregar aos meus filhos,
simples e abominavelmente,
a derrota das virtudes pelos vícios,
a ausência da sensatez no julgamento da verdade,
a negligência com a família,
célula-mater da sociedade,
a demasiada preocupação com o "eu" feliz a qualquer custo,
buscando a tal "felicidade"
em caminhos eivados de desrespeito para com o seu próximo.

Tenho vergonha de mim
pela passividade em ouvir,sem despejar meu verbo,
a tantas desculpas ditadas pelo orgulho e vaidade,
a tanta falta de humildade
para reconhecer um erro cometido,
a tantos "floreios" para justificar actos criminosos,
a tanta relutância em esquecer a antiga posição
de sempre "contestar",voltar atrás e mudar o futuro.

Tenho vergonha de mim
pois faço parte de um povo que não reconheço,
enveredando por caminhos que não quero percorrer...

Tenho vergonha da minha impotência,
da minha falta de garra,
das minhas desilusões e do meu cansaço.

Não tenho para onde ir
pois amo este meu chão,
vibro ao ouvir meu Hino
e jamais usei a minha Bandeira
para enxugar o meu suor
ou enrolar meu corpo
na pecaminosa manifestação de nacionalidade.

Ao lado da vergonha de mim,
tenho tanta pena de ti,povo brasileiro!
"De tanto ver triunfar as nulidades,
de tanto ver prosperar a desonra,
de tanto ver crescer a injustiça,
de tanto ver agigantarem- se os poderes nas mãos dos maus,
o homem chega a desanimar da virtude,
A rir-se da honra,
a ter vergonha de ser honesto"

Rui Barbosa