terça-feira, 13 de novembro de 2007

NOSTALGIA E TOURADA


Em memória dos tempos idos, em memória do Portugal patriota, em memória dos feitos de ontem; contra o Regime vigente, contra a Abstinência moral, contra a Miséria, Fome e Pobreza: eis um momento de nostalgia - superiormente - ilustrado através duma Fábula da autoria de David Nasser (livro Portugal, Meu Avozinho).


Boa noite senhor touro.

Boa noite senhor toureiro.

Sabe o meu nome?

Sei apenas que nascemos no Ribatejo.

Aprendemos juntos.

Vosmicê a arte de ferir.

E vosmicê a arte de fugir.

Agora aqui estamos – um cavalo, um touro e um homem – a divertir uma multidão de imbecis.

Ouça como eles urram.

Mas a tourada é o nosso destino. Quando o avistava, menino ainda, nos vampos de Santarém, dizia com a minha experiência de garrote de boa linhagem: eis aí uma pinta de toureiro. Um dia nos defrontaremos.

E eu, ao vê-lo como um pequeno deus, olímpico, a pisar a grama, pensava o mesmo.

Afinal, encontramo-nos.

Aqui em Santarém.

Ouça como eles berram.

São uns parvos.

Querem emoções, senhor touro.

Tê-las-ão.

Sou um touro português.

Qual a diferença?

Já assistiu a alguma tourada em Espanha? Ou no México?

Nunca saí de Portugal.

Uma carnificina. Alguém classificou aquele espectáculo de covardia de açougue.

Por acaso matam o touro?

Matam? Espetam-no como se fosse uma vaca.

A frio?

A ferro. Depois de toda a luta, depois das bandarilhas, enfiam-lhe pelo dorso a lâmina assassina.

Porquê?

Ora, é a apoteose do homem.

Que fazem do cadáver?

Primeiro, se foi touro decente...

Touro decente? Que negócio é esse?

Sim, touro lutador, impávido, é aquele que honra a sua raça e cai lutando. Se o animal é deste tipo...

A que animal se refere? Ao quadrúpede ou ao bípede?

Ao bisonte, naturalmente. Se ele é valente, merece a graça de ter as orelhas cortadas, depois de morto. E ofertadas ao dono da festa, exibidas ao público ululante, e como trofeus sangrentos.

Não vejo a graça. E quando morre o toureiro, cortam-lhe as orelhas? Fazem a mesma coisa?

Não. Sem orelhas, a carcaça negra do animal vencido é arrastada miserávelmente pela arena, como a última homenagem ao povo que salta.

Nunca uma sociedade protectora de animais protestou contra semelhante espectáculo?

Acaso elas protestam contra o acto da morte?

Admitamos que em Portugal a cena é outra.

Nem por isso, contudo, oferece-se ao público menos emoções.

Lembro-me da descrição feita por um escritor português de uma tourada em Santarém, o animal irrompendo do couro, negro e luzidio, e o cavalo que o espera, nédio e nervoso entre as esporas do cavaleiro. Tudo produto da terra ribatejana. Só nela o puro-sangue...

O touro?

E o homem. Só nela um e outro podem encontrar o seu húmus, a virgindade dum solo que um deus ainda visita e fecunda. O touro, e o homem que o domina, não em luta desigual e traiçoeira, mas saltando-lhe para o lombo indomado ou recebendo-lhe a marrada impetuosa e cega no peito.

Real a imagem.

Veja o fim: na articulação dos três lados do triângulo – campino, cavalo e touro – conjugam as últimas forças viris que restam a Portugal dos tempos livres da natureza, das eras selvagens e testiculares que a civilização castrou. Homem e bicho, irmanados no mesmo ardor que o instinto desperta, encontram-se no terreiro que o sol da razão não ilumina.

Que diz mais o tal senhor?

Que é no Ribatejo o sítio do mundo onde esse embate é mais belo e natural.

Não vejo porquê. Falta o ponto-final. A morte.

Porque a luta, ali, não é para servir a nenhum senhor, ou distrair a atenção inqiuetante das massas. É um acto de coragem. Por sentir que o combate que vai travar não é um fruto do rancor, o campino veste-se de garridos trajes, ergue na mão um pampilho, o cetro de sua majestade, o símbolo de uma grandeza feita de graça e valentia, e quando soa na praça o clarim da refrega, é assim vistoso e confiado que ele se expõe. E o poeta chama de festa brava à lide gloriosa!

Excelente a descrição desse tauromaníaco português.

Esta é a tourada portuguesa onde o campino pode dar largas aos seus impulsos sem ferir o semelhante. A natureza conservou-lhe esse dom. O seu colete encarnado é uma mancha quente de sangue e de alegria a atrair a fúria das bestas. Num gesto voluntário de puro risco, a força humana lança o desafio, processa o gosto sensual de viver ou morrer em beleza no meio de uma paisagem aberta, fresca e generosa. E é bonito vê-la triunfar, dominar, e marcar a fera com a brasa da coragem que a venceu.

E assim termina.

Vamos, senhor touro?

Vamos, senhor homem


UMA REFREGA CONTRA O ESTADO A QUE ESTE PAÍS CHEGOU.

O CONTRADITÓRIO DA TOURADA À PORTUGUESA É USADA SEM RESSENTIMENTO, POIS NÃO É INTENÇÃO MINHA OFENDER ESTA PRÁTICA CULTURAL AINDA ENRAIZADA NO SUBCONSCIENTE COLECTIVO OU SEQUER AQUELES QUE DELA GOSTAM.

PELO CONTRÁRIO.

3 comentários:

fotógrafa disse...

Ainda bem que este espaço da blogosfera, dá para fazermos gandes faenas...rsrsrs
já que este país está a viver uma autêntica tourada á portuguesa!
Abraço solidário esta aficcionada ...rsrsrs

fotógrafa disse...

Convido-o a passar pelo meu blog, tem lá uma surpresa...veja se se lembra...

fotógrafa disse...

As touradas, estão sempre actualizadas, tanto a sua como a minha(ou seja do Ary dos Santos)...rsrsrs
Estamos todos em sintonia nesta terra, tão á deriva...