
Em memória dos tempos idos, em memória do Portugal patriota, em memória dos feitos de ontem; contra o Regime vigente, contra a Abstinência moral, contra a Miséria, Fome e Pobreza: eis um momento de nostalgia - superiormente - ilustrado através duma Fábula da autoria de David Nasser (livro Portugal, Meu Avozinho).
“Boa noite senhor touro.
Boa noite senhor toureiro.
Sabe o meu nome?
Sei apenas que nascemos no Ribatejo.
Aprendemos juntos.
Vosmicê a arte de ferir.
E vosmicê a arte de fugir.
Agora aqui estamos – um cavalo, um touro e um homem – a divertir uma multidão de imbecis.
Ouça como eles urram.
Mas a tourada é o nosso destino. Quando o avistava, menino ainda, nos vampos de Santarém, dizia com a minha experiência de garrote de boa linhagem: eis aí uma pinta de toureiro. Um dia nos defrontaremos.
E eu, ao vê-lo como um pequeno deus, olímpico, a pisar a grama, pensava o mesmo.
Afinal, encontramo-nos.
Aqui em Santarém.
Ouça como eles berram.
São uns parvos.
Querem emoções, senhor touro.
Tê-las-ão.
Sou um touro português.
Qual a diferença?
Já assistiu a alguma tourada em Espanha? Ou no México?
Nunca saí de Portugal.
Uma carnificina. Alguém classificou aquele espectáculo de covardia de açougue.
Por acaso matam o touro?
Matam? Espetam-no como se fosse uma vaca.
A frio?
A ferro. Depois de toda a luta, depois das bandarilhas, enfiam-lhe pelo dorso a lâmina assassina.
Porquê?
Ora, é a apoteose do homem.
Que fazem do cadáver?
Primeiro, se foi touro decente...
Touro decente? Que negócio é esse?
Sim, touro lutador, impávido, é aquele que honra a sua raça e cai lutando. Se o animal é deste tipo...
A que animal se refere? Ao quadrúpede ou ao bípede?
Ao bisonte, naturalmente. Se ele é valente, merece a graça de ter as orelhas cortadas, depois de morto. E ofertadas ao dono da festa, exibidas ao público ululante, e como trofeus sangrentos.
Não vejo a graça. E quando morre o toureiro, cortam-lhe as orelhas? Fazem a mesma coisa?
Não. Sem orelhas, a carcaça negra do animal vencido é arrastada miserávelmente pela arena, como a última homenagem ao povo que salta.
Nunca uma sociedade protectora de animais protestou contra semelhante espectáculo?
Acaso elas protestam contra o acto da morte?
Admitamos que em Portugal a cena é outra.
Nem por isso, contudo, oferece-se ao público menos emoções.
Lembro-me da descrição feita por um escritor português de uma tourada em Santarém, o animal irrompendo do couro, negro e luzidio, e o cavalo que o espera, nédio e nervoso entre as esporas do cavaleiro. Tudo produto da terra ribatejana. Só nela o puro-sangue...
O touro?
E o homem. Só nela um e outro podem encontrar o seu húmus, a virgindade dum solo que um deus ainda visita e fecunda. O touro, e o homem que o domina, não em luta desigual e traiçoeira, mas saltando-lhe para o lombo indomado ou recebendo-lhe a marrada impetuosa e cega no peito.
Real a imagem.
Veja o fim: na articulação dos três lados do triângulo – campino, cavalo e touro – conjugam as últimas forças viris que restam a Portugal dos tempos livres da natureza, das eras selvagens e testiculares que a civilização castrou. Homem e bicho, irmanados no mesmo ardor que o instinto desperta, encontram-se no terreiro que o sol da razão não ilumina.
Que diz mais o tal senhor?
Que é no Ribatejo o sítio do mundo onde esse embate é mais belo e natural.
Não vejo porquê. Falta o ponto-final. A morte.
Porque a luta, ali, não é para servir a nenhum senhor, ou distrair a atenção inqiuetante das massas. É um acto de coragem. Por sentir que o combate que vai travar não é um fruto do rancor, o campino veste-se de garridos trajes, ergue na mão um pampilho, o cetro de sua majestade, o símbolo de uma grandeza feita de graça e valentia, e quando soa na praça o clarim da refrega, é assim vistoso e confiado que ele se expõe. E o poeta chama de festa brava à lide gloriosa!
Excelente a descrição desse tauromaníaco português.
Esta é a tourada portuguesa onde o campino pode dar largas aos seus impulsos sem ferir o semelhante. A natureza conservou-lhe esse dom. O seu colete encarnado é uma mancha quente de sangue e de alegria a atrair a fúria das bestas. Num gesto voluntário de puro risco, a força humana lança o desafio, processa o gosto sensual de viver ou morrer em beleza no meio de uma paisagem aberta, fresca e generosa. E é bonito vê-la triunfar, dominar, e marcar a fera com a brasa da coragem que a venceu.
E assim termina.
Vamos, senhor touro?
Vamos, senhor homem”
UMA REFREGA CONTRA O ESTADO A QUE ESTE PAÍS CHEGOU.
O CONTRADITÓRIO DA TOURADA À PORTUGUESA É USADA SEM RESSENTIMENTO, POIS NÃO É INTENÇÃO MINHA OFENDER ESTA PRÁTICA CULTURAL AINDA ENRAIZADA NO SUBCONSCIENTE COLECTIVO OU SEQUER AQUELES QUE DELA GOSTAM.
PELO CONTRÁRIO.
3 comentários:
Ainda bem que este espaço da blogosfera, dá para fazermos gandes faenas...rsrsrs
já que este país está a viver uma autêntica tourada á portuguesa!
Abraço solidário esta aficcionada ...rsrsrs
Convido-o a passar pelo meu blog, tem lá uma surpresa...veja se se lembra...
As touradas, estão sempre actualizadas, tanto a sua como a minha(ou seja do Ary dos Santos)...rsrsrs
Estamos todos em sintonia nesta terra, tão á deriva...
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