sexta-feira, 15 de maio de 2009

METAMORFOSE INEVITÁVEL...



O Exército dispõe duma hierarquia arcaica, imbuída duma cultura rígida que, pasme-se 35 anos depois do 25 de Abril, ainda confunde discordância com insubordinação.
As ilhotas de incompreensão acerca do escrutínio dos actos superiores, especialmente daqueles que se reflectem nos direitos, liberdades e garantias, começam a diminuir drasticamente.
Apesar de ainda se manter um certo secretismo funcional e um corporativismo irracional e, por força da analogia com a jurisdicionalidade civil, a litigância disciplinar tornou-se mais “aberta” e agilizou a capacidade e a autonomia da defesa e o contraditório.
À semelhança com o mundo moderno, Portugal é convidado e convida-nos a viver a era da informação globalizada.
A globalização e a acessibilidade transformaram o planeta numa aldeia global e a desfronteiração física, enquanto, paradoxalmente, nos deixam “desprotegidos” coloca-nos ironicamente na pele de actores duma realidade mutante.
A multiplicidade de processos de difusão assim como o alto calibre da velocidade puseram a zero o hiato de tempo entre o acontecimento e o seu conhecimento público.
Dir-se-á que hoje a notícia abraça o acontecimento.
Neste hemisfério actual, e assim descrito e aceite onde o globo se parece tal qual como um Regimento a cuja “parada” podemos aceder aceder em tempo real e, pasme-se, da nossa própria casa, onde a competência tecnológica debelou as fronteiras do impossível para concretizar o velho sonho de Tofler, ainda antes da sua passagem para a núpcia necreológica.
A verdade é esta, do sofá da nossa casa podemos voar até ao país do sol nascente e regressar e no minuto seguinte de novo sobrevoar “sobrevoar” Nova Iorque ou optar por visitar a belíssima e mítica cidade de Lhasa.
Nesta esteira a moral tecnológica, sem dó nem piedade, acabou por imolar as duas clássicas estruturas que diferiam a realidade: o espaço e o tempo.
Hoje a dimensão espacial mede-se na razão infinital enquanto a temporal mede-se ao microsegundo, resultado não há hiato tangível entre os acontecimentos e a sua publicitação, onde quer que ocorram.
Repetindo o que atrás foi dito, e em racicocínio do jeito simplista, poder-se-á repetir que, com a derrogação das velhas estruturas, a notícia passou a fazer parte do acontecimento.
É neste ambiente que urge enquadrar o exercicio do poder, quer do poder em geral quer o poder de decisão em particular.
Com esta nova hermenêutica, que já não se satisfaz com o clássico formulário, tudo se metamorfoseou incluindo a capacidade de superintendência do subalterno. Este, devido á liberalização do saber, passou a dispor duma espantosa capacidade de superintendência dos actos que lhe dizem respeito directo ou diferido.
A libertação e a democratização do saber e do poder cognitivo armou e equipou o subalterno com novas capacidades funcionais, injectando-lhe modelos acessíveis de capacidades que outrora não existiam.
Esta objectiva e decifrável realidade confundiu um pouco a velha estrutura que, guarnecida por uma certa mentalidade conservadora, tende a postergá-la.
Este novo e revolucionário “poder” da subordinância pôs a nú as cedilhas de incúria, de hesitação, de lacuna, de ilegalidade, ou de irresponsabilidade contidas nas acções do modelo obsoleto.
A consciência da despersonalização do saber ofereceu-nos, falando como subordinado, a credenciação e a acessibilidade outrora indiagnosticadas e que ora nos confere jusintendência sobre a virtude ou o anátema, o erro ou o acerto, o bem ou o mal.
Mas esta acareação com a nova moral racional parece ter confundido a velha, persistente e autoritária mentalidade, ungida de infalibilidade ora posta causa, e, que, vendo fugir o ónus dessa presunção, reage, sem esconder o ressentimento, utilizando a única arma que, conjunturalmente, consegue manter sob os auspícios da regulação caduca: a avaliação.
A avaliação, que nasceu como sistema, tanto pode servir os fins para que foi criada como permitir-se constituir-se num poder discricionário e de uso indevido.
Não se trata de inductil acusação trata-se duma telúrica constatação aquela que reconhece o Regimento como um sistema aberto onde todos se conhecem uns aos outros, e, consequentemente se avaliam mutuamente, onde ninguém se surpreende com aquilo que cada um é capaz de fazer ou dizer.
O reboco duma verdade até hoje inquestionável começa a estalar e a mostrar as suas fendas. E embora a competência formal para avaliar - por enquanto – esteja em exclusivo nas mãos da hierarquia, a real está disseminada por toda a parte, toda a prole, e não apenas a hierarquia, indiferentemente do galão, da divisa ou da patente rasa, afere, avalia e distingue o bom do mau desempenho, o mérito do demérito, pois os princípios reguladores são acessíveis a todos e a cada um.
Basta levantar a cabeça para se contemplar, ao redor, distinção que a realidade não ostenta, ou vice-versa.
Em certo sentido, no mínimo no plano subjectivo, talvez caiba na presente reflexão aludir, evocar e aditar algumas das razões do disfuncionamento por todos anotado entre o idealizável e o realizável.
Para observarmos de perto a génsese do problema em análise temos de recuar até ao dia derradeira aurora do voluntariado quando subitamente a conscrição é substituída pela proscrição.
A mudança foi radical, antes a moral patriótica dava coercitividade ao dever militar, o perfil de cidadania assentava numa cultura de conscrição, inquestionável, e que constituía a infra-estrutura do modelo de organização militar.
O movimento perpétuo emergente e a adesão a novos valores gerou um ambiente de saturação e incompatibilidade com os velhos estribos morais, e, se a isso adirmos uma conjuntura de tolerância sentia-se e via-se à distância as dores de agonia que assolavam a conscrição militar.
A morte da conscrição deixa a (velha) organização órfã do recenseamento, e, todas as orfandades provocam desadaptação, esta não podia ser diferente, não houve tempo para fazer o luto e isso deu lugar à depressão organizacional e à angustia psicológica e física, cujos sintomas foram durante anos a fio, involuntariamente, escondidos por debaixo da semântica de parangonas como a reorganização, a reestruturação e a modernização, panfletariamente anunciadas e apoteoticamente acolhidas.
E, como a inadaptação foi uma premissa estrutural, tarde ou mais cedo haveria de subir à superfície.
O diagnóstico depressivo era real por isso gerou uma espécie de psicanálise colectiva que, a estatística de demissões (voluntárias ou impostas!) oferecem culminante testemunho.
Incapaz de acompanhar a mudança, a inércia fez escancarar as portas do associativismo e com ele a, consequente, revisão dos conceitos de fidelidade e de lealdade.
A estatística do indeferimento constitui outro idóneo indicador.
Da velha estrutura, e correndo o risco de cometer algum exagero, já só vejo sobrar o Hino, a Bandeira, o Juramento e os Arrepios da Pele.
E enquanto a derrogação espiritual segue a sua caminhada irreversível, a material persiste em sobreviver contra a maré, a contratempo, daí a inépcia e com ela o Regulamento de Disciplina Militar, coitado nascido antes da primeira guerra mundial e recauchutado em 1977, sofre as demências das inconstitucionalidades expressas ou remissivas, o Código de Justiça Militar já foi sepultado, os Tribunais Militares foram desautonomizados, o crime essencialmente militar metamorfoseou-se numa sazonalidade contingencial e o Regulamento de Avaliação do Mérito dos Militares do Exército, que nasceu com o apoteótico propósito de avaliar competências, desempenhos e méritos é, mais vezes do que seria desejável, utilizado como substância coactiva.
Treinada para nadar em águas amenas, a organização foi incapaz de reagir à tempestade da mudança, a quadrícula territorial dá lugar a fórmulas removíveis, as regiões militares definham, as brigadas nascem hoje, morrem amanhã; os comandos ora são funcionais, ora são hierárquicos, ora não são uma ou nem outra, os critérios para a ascensão na carreira e promoção variam ao ritmo da maré, os critérios para as colocações idem aspas.
Apesar de Portugal viver uma era de democracia e o seu normativo processual estar subjudice a uma constituição livre e democrática existem ainda “ilhas” de autoritarismo.
E muito embora a Instituição Militar queira “democratizar-se” ainda está longe desse desígnio por se encontrar ainda objectivamente contaminada por uma certa ideia “militarista”, não democrática, um certo autoritarismo blindado ao contraditório e especialmente uma tendência para o refúgio no secretismo funcional; uma realidade que, mais vezes do que seria desejável, obriga a que as virtudes militares, constantemente evocadas, acabem por ser distorcidas no seu real e mais profundo significado.
A velha mentalidade hierárquica, especialmente a de dois conhecidos e por demais reconhecidos altos dignitários do Exército que andaram, anos a fio, a segregar a sua própria contradição e nunca foi sequer capaz de refluar para o passado onde repousam varias decisões sobre a matéria litigada, do Mais Alto Dignitário do Exército, curiosamente TODAS favoráveis à pretensão do signatário, a cabou sendo postergada pela tardia decisão/parecer da Procuradoria-Geral da República que implicitamente chamou-os à razão, mas nem aqui nem assim a hierarquia foi capaz de retirar a mais ténue consequência.
Pelo contrário acirrou o amuo, a azia provocou-lhes frustação e levou-os a continuar na senda da perseguição agora menos objectiva e formal, mas mais subtil, de forma velada ou insinuada.

Até que, deixando cair a máscara, recorre à subtileza funcional para se vingar de alguém com quem não está capaz de debater frente-a-frente, olhos nos olhos..., SINAL EXPRESSO E EXPRESSIVO QUE A METAMORFOSE É AGORA INEVITÁVEL.

1 comentário:

fotógrafa disse...

Sabe o que acho, essa gente tem graves problemas de nivel educacional e psicológico...não é possivel que ao longo da vida, não tenham sabido actualizar as consciências.São pessoas com altos problemas de complexos de inferioridade, que transportam depois para o dia a dia e para a vida daqueles que nada têm a ver com isso...descarregam as frustações(mesmo que os galões reluzam...) e depois os subordinados é que pagam na carne...há por aí muito menino capaz de fazer isso e muito mais...
Então na classe politica(para não bater mais na classe militar,,,) é o que se quiser...
Um abraço e vamos ter fé, que um dia isto dá mesmo a volta...
A esperança nunca deve morrer,porque ela é que é a mola impulsionadora...