
A transumância do Portugal amordaçado para o Portugal libertado não trouxe sobriedade, legalidade e humanismo, adoptaram-se novos procedimentos coercivos injustos e injustificados, imorais e agnósticos talvez para coagirem e encobrirem, quem sabe, a maculada e apressada descolonização política, moral e material. Com ela foi-se o patriotismo constitucional e cívico, que não se fez rogado, em jeito de retaliação, levou consigo a dignidade colectiva, o espírito de conjunto, a coesão e a irmandade. Vá lá saber-se porquê (quem sabe, para homologar, como insinua a notícia[1], pecaminosos procedimentos, e consequentemente para mistificar o dolo e biombar a responsabilidade), o imaculado príncipe, “subornado” pelo vírus da maldade, decretou, sem decreto de sapiência a lei de tudo poder dizer-se, incluindo a mentira.
Do dia para a noite, dizer tornou-se numa função agnóstica e instintiva e pior do que isso num direito inexpugnável que, depressa demais, ultrapassou todos limites ao ponto de e a coberto dum valor mal assimilado (a liberdade) hoje tudo se poder dizer livremente, mesmo que tal dito se constitua numa ofensa à dignidade nacional ou ao direito individual.
Diz-se, dizer, repetir o que disse e tornar a repetir o repetido, tornou-se num direito semi-afrodisíaco que, como não podia deixar de ser, perverteu e inibiu o dever de fazer, de cumprir, de exemplificar, de honrar, etc. Dizer-se polarizou o fundamentalismo libertineiro que hoje tolhe o conceito da liberdade verdadeira.
A inversão de prioridades depressa se tornou numa rotina e como consequência inevitável a oportunidade, em vez de dar a vez à aptidão, à vocação, licenciatura ou à competência, passou a enrugá-las e como não podia deixar de ser acabou cedendo ao oportunismo, à corrupção e ao compadrio, enquanto, claro está, quem de responsabilidade sobre o assunto continua a dizer que as coisas se passam dentro da legalidade, que tudo foi (ou está a ser) feito correcta e legalmente. O cultismo do dizer esbateu a semântica do fazer, e em alguns casos do dever, por isso os triliões da U.E. encharcaram a carteira dos fazedores do oportunismo e o assédio à adjudicação fez escola para erguer uma já incontrolável oligarquia de interesses mutuamente associados que inexoravelmente atirou para a sarjeta da legalidade o interesse e o bem-estar comum; e, claro está, com o remanescente diz-se que se fez obra e se satisfez as necessidades colectivas.
Dizer e fazer tornaram-se assim elementos distintos e na esmagadora maioria dos casos conflituantes.
Talvez que no princípio de tudo se ensaie uma explicação justificada numa apressada ansiedade em dizer-se que se é livre. Mas com a passagem do tempo, a razão, a explicação, a causa, de tal forma se foi esbatendo e diluindo que hoje se perde de vista no hercúleo da ilicitude institucionalizada. Porém, e apesar desta estrutural intangibilidade, julgamos tê-la encontrado e, pior ainda, julgamos que permanece vigorosa, que se mantém hirta no seu posto de sentinela para dizer conforme as circunstâncias e agir por conveniência restrita, defraudando as expectativas do ingénuo soberano (cada vez mais confuso, resignado e como tal abstémio) e continuando a alimentar o oportunismo coriáceo do príncipe do verbo.
Ninguém me levará a mal (quiçá aplaudirá) se afirmar que hoje em dia vigora a total e completa irresponsabilidade institucional. Nenhum ingénuo acredita ser um exagero, injusto e injustificado, dizer-se que a autoridade se enrugou perante a rotina da libertinagem. Alguém ousa ser uma ousadia fazer constar que o arruaceirismo não apenas está na moda, como – mais grave do que isso - é o poder que actualmente vigora (num ápice corta-se uma ponte, uma estrada, uma via férrea, fecha-se um tribunal, etc.).
O Estado dito democrático limita-se a anotar a ocorrência.
Alguém se surpreende já com qualquer notícia de corrupção (a notícia será adivinhar quem é o próximo a ser descoberto). Quem é capaz de contestar que a intriga, a maledicência e a conspiração se sobrepõem à verdade e à ética; que a cunha substitui o mérito; que o favor derroga a aptidão e a licenciatura; que o interesse mesquinho, particular ou partidário se sobrepõe ao interesse nacional; que os representantes, quer os de carne e osso (realmente eleitos) quer os de cera (percentagem correspondente à abstenção: eleitos artificialmente), cada vez mais representam ninguém; que as oligarquias (mercantilistas, partidárias, maçónicas, etc.), não sufragadas nem legitimadas, são quem detém o poder normativo, forçam a aprovação da lei e escoram procedimentos mercantilistas. Quem ousa duvidar que, para o príncipe do dizer, o soberano só é olhado com importância e particular atenção um dia de quatro em quatro anos.
O processo de degradação do espírito da lusitaneidade começou cedo, antes ou nos instantes do pós-golpe quando, sem perder tempo, uma prole de oportunistas tomou as rédeas do poder para edificar a faculdade da bandalheira. Tal procedimento hostil à nação impôs-se, como um vírus, para subverter a conjuntura e forçar o soberano a cortar, de forma abrupta, os laços com a velha moral obrigando-o a aderir (compelidamente) aos novos modelos de lealdade, muitos deles caídos de pára-quedas, de sapiência restrita e restritiva e com poucos pingos de moralidade. Ao maquiavélico processo de demissão nacional adiram a borga e a folia para ensombrar a serenidade e impedir a racionalidade, mas como a festa não podia durar para sempre, a ressaca impôs-se para ressabiar as consequências. O soberano acorda ressacado, e, enquanto ainda contundido se afasta da paródia, os “especialistas” da nova moral entram em cena para desatar a retirar partido da fragilidade estrutural, entranhando-se no pedúnculo do poder, (conquistado ou recebido de forma coriácea), e deste modo semear o permissivo para contrair localmente um procedimento ajustado ao instinto pecaminoso e vingativo.
A consequência não se fez rogada, a longo prazo, aquilo que deveria ter sido uma serena e pacífica revolução, com motivos para a festa e a celebração, transforma-se numa veiga de coercitividade. A sementeira da maldade fez nascer com “naturalidade” as condutas e as fórmulas de pensamento e acção inconfessáveis, que envergonham a sensibilidade do verdadeiro democrata. E, desde então, (por incapacidade ou cumplicidade) ninguém mais foi capaz de travar o seu ímpeto de malvadez e de destruição.
4 comentários:
Como sempre, assunto + que oportuno...
Major não esteja preocupado com a linkagem...rsrsrs
Claro que agora tem mais horas de obrigações, do que de ócio...
quando tiver tempo, disposição e oportunidade, tente fazer isso, e faça a linkagem de vários(dos que mais gostar) é interessante,pois será mais visitado.Faz parte do código blogueiro...fazer o link de outros blogs...
Um abraço
Excelente texto que subscrevo na íntegra.
Para Portugal evoluir temos que sofrer uma mudança de mentalidades que tornem as pessoas mais solidárias e sem enfoque nos bens de consumo como forma de realização pela distintividade.
São estes valores desprovidos de solidariedade que desintegram. A corrupção é normal, a cunha é normal, os partidos dominarem as instituições é normal, a anti-democracia e a falsa liberdade também já são normais.
Só com um abanão muito forte se poderá dar origem a um novo ciclo.
Um abraço
Portugal amordaçado e prostituído, meu major.
Mas eu acredito em si para o salvar e quando for para a guerra diga, meu major.
Bato-lhe a pála meu major
Passando para desejar um bfs
Abraço
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